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08 maio 2007

$ Populismo não tem remédio $

Quinze anos atrás, o Brasil foi fortemente pressionado pelos Estados Unidos, com direito a lobistas de alta patente circulando ostensivamente no Planalto e no Congresso Nacional, a aprovar a lei de patentes. Vozes sinceras preocupadas com a soberania nacional e a voracidade do capitalismo multinacional alertaram para o risco de escravidão comercial.
O Brasil aprovou a lei de patentes e, entre as principais conseqüências disso, passou a colher taxas recordes de investimento estrangeiro direto.
Depois de todos os rugidos nacionalistas juscelinistas, janguistas, militaristas, sarneyistas (lembram da reserva de mercado para informática?), o Brasil resolveu parar de usar o esperneio como estratégia diplomática.
Não é que Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula sejam necessariamente governantes melhores que seus antecessores. Foi a sociedade que amadureceu, e achou que estava na hora de tirar o país da adolescência.
Aos poucos, a maior parte das correntes políticas brasileiras foi entendendo que, não obstante a dureza do xadrez internacional, ter um comportamento mais transparente, mais previsível e, portanto, mais confiável diante do mundo era uma estratégia melhor – mais do que para os outros, para o Brasil. Foi assim que nasceram, entre outros, o conceito de responsabilidade fiscal (impensável até outro dia mesmo) e a cultura do cumprimento de contratos.
A decisão do governo de quebrar a patente do Efavirenz, uma droga importante no tratamento contra a Aids, está na contramão de todo esse esforço nacional empreendido nos últimos quinze anos – que, mais do que institucional, é cultural.
O recurso de autorizar o licenciamento compulsório de um remédio, deixando de reconhecer a patente do seu inventor para permitir a comercialização de um genérico, é uma arma não só aceitável, como importante. Está aí para ser usada em caso de risco social, em que a saúde da população possa ficar refém de uma lógica comercial abusiva.
Não está claro que este seja o caso do Efavirenz. Havia uma negociação difícil entre o laboratório Merck e o governo brasileiro em torno do preço do produto – de fato um produto de custo elevado. Mas a comparação entre os preços fixados em diversos países que consomem a droga não indica propriamente um caso de tirania mercadológica. O valor de 1,57 dólar cobrado no Brasil só é superior ao pago por um grupo de países africanos.
Isto não significa que o governo – que distribui de graça o coquetel anti-aids – não deva brigar pela redução desse preço. Mas se decide melar o jogo e botar a bola debaixo do braço, precisa saber que este não é um recurso trivial. É extremo e custará caro – especialmente porque tomado de forma precoce e, mais grave, com contornos lamentáveis de bravata política.
O presidente da República declarar que “não é possível alguém ficar rico com a desgraça dos outros” é um ato de completa irresponsabilidade. Esse mesmo laboratório atacado de forma tão leviana faz parte de uma indústria que investiu bilhões de dólares e seus melhores cérebros para a descoberta de drogas que deram dignidade aos doentes de Aids, dando à maioria deles a possibilidade de sair da condição de mortos-vivos depois de infectados.
Trata-se de uma exploração política inconseqüente, de viés terceiro-mundista ignorante e mal calculado. “Com o mesmo cuidado que temos para cuidar de um pobre com o Bolsa Família, queremos cuidar dos nossos companheiros e companheiras que foram infectados”, afirmou Lula. Não dá para ter dúvidas de que é jogo para a arquibancada. Jogo perigoso.
Completando a tacada populista, o ministro da Saúde veio a público agredir os executivos do laboratório multinacional, acusando-os pessoalmente de amadorismo e falta de seriedade. Para que isto? Que circunstância justifica a entrada de um ministro de Estado num tom de tal vulgaridade, transformando um debate delicado, inclusive em termos de diplomacia internacional, num bate-boca de comadres?
Está claro que o governo brasileiro esticou a corda antes da hora, propositadamente, num cálculo político mesquinho. Foi em busca do aplauso fácil contra “os tubarões multinacionais”.
Talvez colha alguns aplausos domésticos dos distraídos no curto prazo. No médio prazo, está inoculando em sua própria imagem o vírus da desconfiança. Esse, a história recente já mostrou que é letal. E não existe coquetel para curá-lo.

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